A doença de Chagas não é tão conhecida como a malária ou a cólera, ainda que afete entre seis e sete milhões de pessoas e mate mais 12.500 a cada ano.
Chagas é uma doença parasitária negligenciada endêmica em 21 países do continente latino-americano, onde aproximadamente 70 milhões de pessoas vivem em risco de se infectar, embora, com a globalização e o aumento das viagens internacionais, casos já tenham sido registrados na Europa e na Ásia. Segundo estimativas, 99% das 6 milhões de pessoas infectadas não tiveram acesso a cuidados médicos e continuam sem diagnóstico e tratamento. Sem tratamento, a doença de Chagas pode, eventualmente, evoluir e causar danos fatais ao coração e aos sistemas nervoso e digestivo. Médicos Sem Fronteiras (MSF) desenvolve projetos de atenção aos pacientes com a doença de Chagas desde 1999, tendo atuado em diversos países da América Latina, como Honduras, Nicarágua, Guatemala, Brasil, Colômbia, Paraguai, e, atualmente, México, Bolívia. A organização desenvolveu atividades também em países considerados não endêmicos, como o projeto desenvolvido na Itália para oferecer atenção médica a imigrantes infectados. Nesses mais de 16 anos de atividades médicas em Chagas, MSF deu oportunidade de diagnóstico a 114.145 mil pessoas. Deste total, 11.106 pessoas apresentaram a infecção, e 8.206 delas completaram o tratamento satisfatoriamente.
Causas e Transmissão A doença de Chagas, ou Tripanossomíase Americana, é uma doença negligenciada causada peloparasita Trypanosoma cruzi que tem cura. Sua transmissão se dá mais frequentemente pelo contato com as fezes dos insetos vetores, conhecidos popularmente no Brasil como ‘barbeiro’. Outras formas de transmissão da doença são: a ingestão de alimentos contaminados com os parasitas; a transmissão de forma congênita, passando da mãe para o bebê; por transfusões de sangue; por meio do transplante de órgãos; e por acidentes laboratoriais. Sintomas A doença de Chagas tem duas fases: a fase aguda, logo nos primeiros três meses após a infecção, e afase crônica, que pode se manifestar por meio complicações que surgem depois de muitos anos, afetando o coração e o sistema digestivo. Na fase aguda, nem todos os casos apresentam sintomas, o que dificulta o diagnóstico oportuno. Uma pessoa infectada que seja diagnostica nesta fase, e receba o tratamento adequadamente comBenznidazol ou Nifurtimox – atualmente, os únicos medicamentos disponíveis para tratamento da doença no mundo – tem 100% de chance de cura. Sem tratamento, após a fase aguda, a doença de Chagas passa à uma fase crônica geralmente silenciosa. A manifestação de sintomas pode ocorrer, como citado acima, muitos anos depois como um problema grave de coração em 30% dos infectados, ou do sistema digestivo em 10% dos casos. Os sintomas na fase crônica podem incluir desmaios, palpitações, dores no peito, inchaço dos membros inferiores, constipação, dores abdominais e dificuldades para engolir. Diagnóstico O diagnóstico na fase aguda da doença de Chagas é realizado por meio das provas parasitológicas diretas, com as quais buscamos visualizar diretamente no microscópio o parasita no sangue da pessoa com suspeita de infecção. Muitas vezes, a fase aguda não é diagnosticada. Isso ocorre porque há pessoas que não desenvolvem sintomas ou são inespecíficos e, geralmente, não lhes é oferecido acesso aos cuidados médicos, em parte também devido à falta de conhecimento dos profissionais de saúde sobre a doença de Chagas – o diagnóstico não é considerado e o tratamento não é oferecido para um caso que tem grandes chances de se curar completamente.
Para o diagnóstico na fase crônica da doença de Chagas, buscamos a presença indireta de anticorpos (IgG, anti-T.cruzi) no sangue da pessoa, por meio de exames sorológicos. Para determinar se o paciente está infectado com o parasita, as equipes de saúde precisam fazer de dois a três exames de sangue. MSF tem pressionado pelo desenvolvimento de novos testes rápidos para simplificar o diagnóstico da doença, que possibilitem ampliar o acesso ao diagnóstico na atenção primária de saúde. Tratamento Quanto mais cedo for feito o tratamento da doença, maiores são as chances de cura da pessoa infectada. Para romper com o ciclo de negligência que envolve a doença de Chagas, é fundamental contar com protocolos de manejo clínico atualizados, com profissionais de saúde treinados, com a disponibilidade de insumos para a oferta de diagnóstico e tratamento para dar resposta a este problema de saúde pública que representa um grande impacto socioeconômico nos países da América Latina. As milhões de pessoas infectadas e negligenciadas no mundo exigem que os conhecimentos atuais sobre a doença sejam traduzidos em políticas públicas efetivas e inclusivas como resposta a esse problema secular.